Capítulo 5
Um olhar sobre a escravidão

Os historiadores são unânimes na afirmação de que a escravidão na África é anterior ao contato europeu. Quando teria começado não se sabe, mas o certo é que os muçulmanos já traficavam os prisioneiros de guerras de expansão do islamismo pelo norte da África e na região do Golfo Pérsico115. Os cativos de guerra eram utilizados nos serviços militar, administrativo e doméstico. Ainda poderiam ser totalmente integrados à sociedade do senhor via conversão à religião islâmica. Pois nessa tradição religiosa

‘a escravidão era vista como um meio de converter os não-muçulmanos. Assim, uma das tarefas do senhor era a instrução religiosa, e teoricamente os muçulmanos não podiam ser escravizados, embora na prática isso fosse muitas vezes violado. A conversão não levava automaticamente à emancipação, mas à assimilação à sociedade do senhor, julgada de acordo com a observância da religião, era considerada um pré-requisito para a emancipação e normalmente garantia de melhor tratamento116. ’

O fator religioso parece ter sido também a justificativa inicial utilizada pela Europa para intensificar a captura de escravos na África. Obviamente que essa modalidade de escravidão que se instaura com a entrada das sociedades européias, em especial Portugal, já é uma tentativa de aumentar a produção de bens e o comércio de exportação117. Para Julio José Chiavenato (1980), a Santa Sé, no século XV, autorizou a entrada dos Portugueses em terras africanas através das «bulas das cruzadas». Conforme o autor,

‘o pioneirismo da igreja no ressurgimento da escravidão fica por conta do papa Nicolau V, que em 1454 assinou a bula Romanus Pontifix, dando exclusividade aos Portugueses nos negócios da África, inclusive para apresar Negros e mandá-los para o reino. Na justificativa, os seguidores do papa Nicolau V afirmavam que, em todo caso, os Negros seriam batizados e a sua captura e escravidão serviriam portanto para «salvar-lhes a alma». ’

O escravismo praticado nas sociedades africanas que antecede ao contato europeu respondia a uma «estrutura social baseada no parentesco e etnia», conforme Paul E. Levejoy (2002). Por outro lado, ela poderia ter até uma variante religiosa, quando passou a ser praticada pelos muçulmanos, mas

‘os cativos não eram necessariamente negros, embora os negros sempre constituíssem uma proporção significativa da população escrava. Eles também vinham da Europa Ocidental e das estepes do sul da Rússia. Eram muitas vezes prisioneiros de guerras, não-muculmanos que tinham resistido à expansão do islamismo. A escravidão era concedida como uma espécie de aprendizagem religiosa para os pagãos. Anteriormente, aos judeus e cristãos residentes era concedido um statuts especial de ‘pessoas do livro’, sendo reconhecidos como homens livres sujeitos a taxas e limitações especiais sobre as liberdades civis, mas livres da escravidão. Alguns cristãos eram escravizados durante às guerras, principalmente na Europa Ocidental, mas a maioria dos escravos vinha de outros lugares118.’

A escravidão na África se desenvolveu de diferentes formas e ela serviu a propósitos diferentes daquelas justificativas morais utilizadas pelas sociedades européias para expandi-la. Evidentemente que a acumulação de riquezas foi o motor que a impulsionou e para isso ela encontrou legitimação no falso humanismo religioso, como o expresso pelo conde Gomes Eanes de Zurara, no século XV, de que os males da escravidão para o Africano eram bien peu de chose compte tenu de la liberté éternelle que les âmes des esclaves posséderaient par la suite 119 . Evidentemente, foi com o tráfico atlântico, cujos proponentes iniciais e beneficiários foram Portugueses, Franceses e Ingleses, que se produziu uma especificidade racial à escravidão. Com isso quero dizer que não era qualquer um que era escravizado e sim o Negro porque supostamente estava em um grau de humanidade inferior àquele que escravizava. Mesmo tendo o Europeu encontrado condições internas favoráveis à obtenção de mão-de-obra cativa, não é demais afirmar que a Europa, ao estabelecer o comércio atlântico de seres humanos, não desconsiderou o critério racial. A grande inovação, além daquela de o tráfico responder à emergência do comércio internacional, foi justamente essa associação entre raça e escravidão. A escravidão americana se distinguiria de outras formas de escravidão conhecidas pela «manipulação da raça como um meio de controlar a população cativa e a dimensão da racionalização econômica do sistema»120.

Paul E. Levejoy (2002) ao analisar a escravidão dentro da África, antevê que embora a busca por cativos na África negra fosse o foco dos muçulmanos, pois o islamismo exigia que os escravos fossem pagãos, «a raça (…) era minimizada como um fator na manutenção da condição servil»121. Sem argumentar em favor de um critério racial, Mário Maestri (1991) vai afirmar que não é possível comparar a escravidão, que se intensifica como exigência do comércio internacional, com as modalidades de submissão conhecidas na África.

‘Nous savons aujourd’hui que le commerce d’esclaves à travers le Sahara, l’océan Indien et la mer Rouge, bien que très ancien, important et systématique, ne peut en aucune façon être comparé au trafic atlantique. Le premier s’insérait dans un processus plus complexe d’échange de biens et d’hommes. Pour cette raison et compte tenu de son volume moins important, il ne compromettait pas la croissance démographique et le développement du continent africain. D’autre part, les diverses modalités de soumission connues en Afrique noire ne peuvent pas être définies comme des formes d’esclavage, même purement patriarcales. On peut donc affirmer que le continent africain n’a pratiquement pas connu la production esclavagiste. C’est ce qui a rendu possible et facilité – aussi contradictoire que cela puisse paraître – l’exportation massive d’esclaves122 (Grifos meus). ’

O tom peremptório de Mário Maestri (1991), ao afirmar que o continente africano praticamente não conheceu produção escravagista e que não é possível comparar as experiências de escravidão praticadas na África com o tráfico atlântico, obscurece mais do que esclarece. Certamente, a África negra se constituiu no laboratório de mão-de-obra que alimentou inicialmente as plantations canavieiras, depois as minas e as fazendas de café, portanto o apresamento de homens no continente africano era uma etapa da produção escravista123 e ela era realizada pelo agente interno. Por outro lado, havia certa simbiose entre os interesses das sociedades europeias e dos grupos africanos que pretendiam uma hegemonia no continente. O que vem a confirmar que «A atração do mercado Atlântico tinha o efeito da afastar ainda mais as formas locais de escravidão de uma estrutura social na qual o escravismo era apenas uma entre outras formas de dependência pessoal, para um sistema no qual os cativos desempenhavam um papel cada vez mais importante na economia»124. Sobre a possibilidade de entender a escravidão na África e a sua vinculação aos interesses mercantis de traficantes Brasileiros, considero que o estudo realizado por Manolo Florentino (1997) sobre o tráfico para o Rio de Janeiro seja uma boa demonstração de como um fenômeno pode ser percebido em sua dinâmica e transformação e os parâmetros a serem considerados para se estabelecer comparações.

A análise de M. Florentino (1997) centra-se no papel ativo da África na produção e reprodução do cativo e em como isso esteve diretamente associado aos interesses de uma elite mercantil brasileira. Com isso, o autor do livro Em Costas Negras, descortina os paradoxos dos estudos clássicos da historiografia brasileira que obscurecem as razões do tráfico, que durou por mais de três séculos entre o Brasil e a África. Para ele, o primeiro paradoxo é justamente o do silêncio frente à participação ativa da África na produção do cativo, pois para o autor,

‘Nenhuma outra região americana esteve tão ligada à África por meio do tráfico como o Brasil. Embora flagrante, alguns dos maiores clássicos da historiografia brasileira silenciavam ou pouco falavam sobre «a terra dos etíopes». Aspecto ainda mais desapontador quando se sabe que, por séculos a fio, os milhões de cativos importados eram escravizados por Africanos – ou seja, a sua ‘produção’ na África estava longe de constituir-se em fenômeno episódico ou de reduzir-se a uma crueldade inaudita.’

Além disso, para Manolo Florentino (1997) o tráfico atendia aos interesses de uma elite mercantil brasileira que criava internamente uma demanda por cativos. Nesse sentido, a escravidão não pode ser vista apenas como a imposição dos interesses de uma metrópole frente a uma colônia passiva ou como tendo se originado nas «vicissitudes próprias a uma projeto colonizador calcado na hegemonia do capital europeu»125. Frente a essa suposição é fácil prever, conforme o autor, que quando não mais interessasse ao capital, ele pudesse pôr um fim à migração compulsória. «Contudo, por quase meio século as elites brasileiras puderam resistir às poderosas pressões econômicas, políticas e militares»126 de combate ao tráfico empreendido pela Inglaterra, então ávida pela expansão do seu mercado consumidor.

Partindo do tráfico para o Rio de Janeiro na última década do século XVIII até os anos 1830, Manolo Florentino evidencia as bases da organicidade que se estabeleceu entre a África e o Brasil no comércio negreiro. Com isso ele vai desvendar a lógica empresarial e os agentes propulsores do tráfico atlântico de modo a verificar como esses se ligavam com a sociedade, a economia e o estado127. As fontes documentais de caráter quantitativo analisadas foram inventários post-mortem, listas de entradas de navios negreiros e escrituras de compras e venda. O autor ainda analisou um conjunto de documentos como correspondências oficiais, decretos e ordens régias, crônicas manuscritas dentre outras fontes qualitativas. Com essas fontes e com as estatísticas a partir daí produzidas, o autor necessariamente impõe uma nova abordagem à compreensão da escravidão no Brasil e redefine novas chaves de leituras para a historiografia brasileira.

Essa organicidade entre África e Brasil obscurecida na historiografia brasileira e salientada por Manolo Florentino, no caso específico do tráfico atlântico para o Rio de Janeiro, é apenas um desdobramento do sistema de escravidão, inscrito em uma conjuntura política econômica internacional de combate ao tráfico negreiro; necessidade cada vez mais premente para o capitalismo inglês. Ora, a reação dos traficantes nordestinos, em especial dos baianos, diante da tentativa de desbaratamento do comércio de almas pela Inglaterra, foi também a de intensificar relações comerciais diretas com a África em vista da obtenção de cativos. Como fazia parte do processo de desumanização homogeneizar a força de trabalho escrava, a busca pelo cativo na África se orientava mais pela aptidão ao trabalho requerido, fosse pela agricultura, mineração ou lides doméstica128. A essa demanda o régulo africano respondia com a apreensão de homens ao longo do interior africano.

Até aqui a análise da organicidade me parece plausível à condição dela não pretender obscurecer a idéia recorrente de que o tráfico de Africanos foi também um projeto da metrópole portuguesa imposta a sua colônia. Então aqui se justifica o recuo na história do tráfico, feito a pouco, para entender que, a despeito dela ter sido ou não «uma empresa afro-americana», como defende Manolo Florentino (1997), ela teve um caráter racial quando sofreu o incremento das sociedades européias. Esse caráter foi imposto pelo Ocidente à África. No meu entender, é essa dimensão que é negligenciada pela historiografia.

Além desse aspecto, os estudos não têm dado atenção à composição étnica dos Africanos transplantados para o Novo Mundo. Essa lacuna foi considerada por Mariza de Carvalho Soares (2000), em Os devotos da cor, ao propor o estudo da confraria negra no Rio de Janeiro, no século XVIII, constituída por um grupo de duzentos Negros, identificados como makis. Essa lacuna decorreria, conforme a autora da

‘historiografia brasileira ter-se ocupado mais da expansão dos povos Europeus que do estudo dos povos africanos escravizados. Ao lado disso, afirmações generalizantes sobre a diversidade racial e cultural dessas populações têm encontrado terreno fértil entre os historiadores. Esse enfoque tem levado os pesquisadores a minimizar a importância da questão da composição étnica da escravaria brasileira e a não diferenciar as noções de etnia/grupos étnicos, raça e procedência129. ’

Há de considerar-se na esteira das generalizações os estudos sociológicos produzidos na década de 1970 cujo foco era o modo de produção escravista. Identificar a composição étnica dos grupos transplantados para o Brasil não se constituía em preocupação científica para os sociólogos mais interessados na compreensão da sociedade brasileira pelo viés da categoria de classe (F. H. Cardoso (1977); J. Gorender (1978) e outros). A etnia certamente não era uma variável importante para se compreender a produção escravista. Nesse sentido, considero necessário relativizar a afirmação de que a composição étnica da escravaria brasileira foi minimizada pelos pesquisadores. Penso que houve uma tentativa, no final do século XIX, em desvendar a procedência dos diversos grupos da diáspora negra e a contribuição deles no surgimento de práticas culturais ainda existentes na sociedade brasileira.

Talvez o primeiro que vai privilegiar essa dimensão seja Nina Rodrigues, a partir do princípio do século XX. Apesar de sua tenaz vinculação ao evolucionismo biológico, em Os Africanos no Brasil (2004), ele vai dedicar um capítulo à descrição das principais etnias que sobreviveram 130 na Bahia e às influências delas no desenvolvimento de cultos e práticas religiosos de origem africana. Ademais, vai assinalar as generalizações em torno dos grupos Negros que «colonizaram131» o Brasil e das idéias recorrentemente duvidosas sobre a procedência dos mesmos. Enfatiza o autor que «noBrasil não nos temos limitado a desprezar os conhecimentos dos povos Negros que tanto concorreram para a colonização do país e a manter a mais completa ignorância sobre tudo o que lhes diz respeito: vão acreditando mesmo, entre nós, idéias errôneas sobre a procedência de nossos Negros, sobre o grau e as manifestações da sua cultura»132.

O empreendimento de Roger Bastide em Les Amerriques Noires, publicado pela primeira vez na década de 1970, tampouco pode ser desconsiderado. O estudo das civilizações africanas transportadas para o Novo Mundo se inicia depois da abolição da escravidão, pois até então o Negro não tinha sido percebido senão como uma força de trabalho. Pensar esse sujeito como portador de cultura ensejou o debate sobre como ele seria integrado à sociedade brasileira, o que só foi possível com o advento de sua emancipação. Contudo, identificar os grupos étnicos transferidos para o Brasil não seria tarefa fácil, uma vez que aos Negros foram atribuídos nomes genéricos de portos de embarque e nomes cristãos. Conforme R. Bastide (1996) seria necessário um método de análise que focalizasse as culturas afro-americanas e não mais a África, pois « Ce qui fait que la meilleure méthode pour l’analyse des cultures afro-américaines consiste nom pas à partir de l’Afrique pour voir ce qu’il en reste en Amérique, mais à étudier les cultures afro-américaines existantes, pour remonter progressivement d’elles à l’Afrique. C’est la marche inverse de celle des historiens qui est la bonne »133.

A ausência de registos históricos, em determinado momento, produziu generalizações e até equívocos acerca das etnias africanas migradas compulsoriamente para o Brasil. O próprio N. Rodrigues, (2004) fez essa observação quando deu início às suas investigações. No seu dizer, um erro comum entre os etnólogos, historiadores e literatos, é a afirmação de que os bantos guardavam uma exclusividade na composição dos Africanos transferidos para a Bahia. Por outro lado, essa carência tem levado os pesquisadores a ampliar as possibilidades de pesquisas através de adoção de fontes de dados aparentemente irrelevantes como os assentos de batismo e registros de casamentos.

Inovação nesse sentido foi realizada por Mariza de Carvalho Soares (2000) quando recorreu a tais documentos para entender a composição dos Africanos no Rio de Janeiro no século XVIII e com isso retrabalhou a noção de grupo de procedência já anunciada por Roger Bastide (1996). Observa-se também nos estudos mais recentes sobre a escravidão, uma redefinição dos critérios de leitura e de interpretação das fontes comumente utilizadas como os inventários post-mortem e listas de navios negreiros. Nesse caso, considero o trabalho de Manolo Florentino (1997), já mencionado, o mais ilustrativo, não tanto por esclarecer aspectos da origem étnica dos cativos, mas por redimensionar o estudo da escravidão no Brasil, lançando outro olhar para as regiões fornecedoras de cativos, como África ocidental.

Marina de Melo e Souza (2002), com o estudo sobre as festas de coroação de rei Congo, vê a necessidade também de «aprofundar o conhecimento da história e da cultura da África Centro-Ocidental, que compreende a região chamada pelos Portugueses, dos séculos XVI ao XIX, de Congo e Angola, e preencher uma lacuna nos estudos de manifestações culturais afro-brasileiras, no que diz respeito às contribuições do mundo banto»134. Penso que o quadro de ruptura entre etnia e cultura que a América oferece, como lembrou Roger Bastide (1996)135, não deve ser esquecido no caso do Brasil, pois em algumas situações de investigação não é possível identificar ou associar grupos étnicos às práticas culturais. No caso do Ceará essa dificuldade torna-se mais evidente, uma vez que aí se desenvolveu um modo todo particular de escravidão onde se verifica a ausência de tráfico direto com a África.

Entre os séculos XVI e XIX foram importados para a América perto de 10 milhões de escravos Africanos, dentre os quais 40% desembarcaram no Brasil. Isso só foi possível devido uma «organicidade impar entre o Brasil e a África, pois entre nós, mais do que em qualquer outra parte, possuir escravos significava basicamente conviver com Africanos»136. Grande parte dos cativos, vinda da África Centro-Ocidental, era absorvida pela grande propriedade exportadora em detrimento dos médios e pequenos estabelecimentos, que em geral não recebiam mais de cinqüenta escravos. As condições de vida e de trabalho não permitiam a reprodução física do cativo. Na verdade, a reprodução não era estimulada e a mortalidade era sempre crescente nos plantéis. Com uma demanda sempre crescente de mão-de-obra cativa, pois como a indústria agro-exportadora encontrava-se em plena expansão nos séculos reportados, a resposta foi a intensificação das relações do Brasil com a África no sentido dela suprir a produção do cativo, via apresamento pelos seus agentes internos. Daí o recrudescimento do tráfico atlântico que passava necessariamente por uma relação dos traficantes Brasileiros, com os agentes locais africanos ou com uma fração mercantil africana. Aqui já não mais se tratava de obter mão-de-obra para utilização interna ou para responder às relações de dependência pessoal existentes nas sociedades africanas. Esse momento respondia a outro contexto de escravização que se

‘Destinava à troca por mercadorias européias ou americanas que, ao serem inseridas nos tradicionais circuitos africanos de troca, desempenhava papéis que muito distavam da função quase idílica de meros ‘bens de prestígio’. Uma vez produzido o cativo, a etapa africana de circulação tinha por eixo o duplo fluxo que se estabelecia nos pontos de embarque: o de exportação do escravo do interior para a costa, e o de importação de bens euroamericanos do litoral para as savanas e áreas florestais137.’

Foram traficados para o Brasil homens e mulheres de várias regiões do continente africano, procedentes da África Centro-Ocidental e Oriental. Os centros de maior afluência do tráfico no Brasil foram Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Pernambuco para mencionar apenas alguns. No final do século XVIII e princípio do XIX, grande parte dos cativos foi embarcada nos portos de Luanda e Benguela. Ao longo do século XIX cerca de 70% dos cativos que chegaram aos portos brasileiros vieram da região do Congo-Angola. Contudo, com a proibição do tráfico a partir de 1930, as embarcações, com mercadoria humana, provenientes dos portos de Cabinda, de Ambiz e outros pequenos portos aumentam, refletindo, conforme M. de M e Souza (2002) «a dispersão do tráfico na região Congo-Angola, ao mesmo tempo em que dificultava a repressão a ele»138. Portanto, a África Centro-Ocidental incrementou a empresa agro-exportadora brasileira com o envio de cativos pelo Atlântico.

O fato é que nem todas as regiões brasileiras participaram do circuito atlântico do tráfico negreiro. Por exemplo, o Ceará não logrou êxito nas tentativas que fez ao pedir autorização aos monarcas portugueses para estabelecer tráfico com a África. Isso se deve em grande parte à inexistência de um grupo econômico, com cabedal suficiente para impor tal necessidade. Pelo contrário, as travessias das águas atlânticas, cuja finalidade era o fluxo de produtos agrícolas e de manufaturas, no máximo atingiram os portos portugueses.

Notes
115.

P. E. Lovejoy, A escravidão na África, uma história de suas transformações, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, p. 47.

116.

Ibid, p. 49.

117.

Ibid, p. 53.

118.

P. E. Lovejoy, A escravidão na África, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, p. 47-48.

119.

Citado por M. Maestri, Esclavage au Brésil, Paris, Karthala, 1991.

120.

P. E. Lovejoy, A escravidão na África, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, p. 38.

121.

Ibid, p. 48.

122.

M. Maestri, Esclavage au Brésil. Paris, Karthala, 1991.

123.

P. E. Levejoy afirma que «não havia separação funcional entre a escravização e a utilização de escravos; elas permaneciam intricadamente associadas. Essa conexão revela uma característica fundamental do escravismo na África, e quando totalmente articulada com a utilização de escravos na produção, a escravidão foi transformada em modo de produção distinto. A história da escravidão envolvia a interação entre a escravização, o tráfico de escravos e a utilização de cativos na própria África. Um exame dessa interação demonstra a emergência de um sistema de escravidão que era fundamental para a economia política de muitas regiões do continente».

124.

P. E. Lovejoy, op. cit., p. 51.

125.

M. Florentino, Em Costas Negras, São Paulo, Companhia das Letras, 1997. p. 7.

126.

Ibid, p. 8.

127.

Ibid, p. 8.

128.

M. de C. Souza (2000) salienta que «Boxer associa a retomada do tráfico com a Costa da Mina aos últimos anos do século XVII às demandas da atividade mineradora e à força física dos escravos da Mina. Referindo ao mesmo período, Russel-Wood afirma que entre 1700 e 1730, na Bahia, os senhores de engenho preferiam os escravos vindos de Angola. Souza não está totalmente de acordo com essa associação do interesse do escravocrata com a aptidão ou a capacidade do escravo para exercer uma atividade que já conhece. O fato é que quanto aos escravos Mina, havia uma suposta crença de que eles tinham o poder de encontrar ouro, daí estarem aptos a trabalhar na atividade mineradora, que se expandira no século XVII com a descoberta do ouro em Minas Gerais.

129.

M. de C. Soares, Os devotos da cor, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 27.

130.

O livro Os Africanos no Brasil aparece em 1932, mas as investigações sobre raça já vinham sendo publicados no Jornal do Comércio desde 1903. A preocupação de N. Rodrigues era identificar as sobrevivências africanas na Bahia, o que não poderia ser diferente porque ele pensava os Africanos na perspectiva do evolucionismo vigente no final do século XIX, imputando-lhes uma inferioridade.

131.

N. Rodrigues trata os Africanos como colonizadores; obviamente que com isso ele não está colocando no mesmo patamar Negros e Brancos. Para ele o Negro é portador de incivilidade, de inferioridade malgrado sua influência na cultura brasileira.

132.

N. Rodrigues, Os Africanos no Brasil, Brasília, Editora UnB, 8ª. Edição, 2004, p. 32.

133.

R. Bastide, Les Amériques Noires. Les civilisations africaines dans le nouveau monde, Paris, L’Harmattan, 1996, p 14 et 15.

134.

M. de M. e Souza. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de rei Congo, Belo Horizonte, UFMG, 2002, p. 20.

135.

Diz R. Bastide, (1996) que «Le dernier point important qui nous reste à signaler, c’est que l’Amérique nous offre l’extraordinaire tableau de la rupture entre l’ethnie et la culture ». p. 15

136.

R. Bastide, op. cit., p. 23.

137.

Ibid, p. 108.

138.

M. de M. e Souza. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de rei Congo, Belo Horizonte, UFMG, 2002, PP. 131-132.