6.1 Um prólogo a Quixeramobim: remontando a origem do nome

O topônimo Quixeramobim remonta às primeiras concessões de terras sesmadas no ano de 1702, nas margens do rio Ibu, ou Ybu 180 , grafado como Quixeremoby, sendo aludido a uma serra181. Com isso, conforme Marum Simão “verifica-se que o curso d´água, de 1706 em diante, perdeu seu nome original e passou a ser adotado o que tem atualmente. O nome (...) era atribuído às serrotas que formam o boqueirão, que com a chegada dos colonizadores, foi batizado com a denominação de Boqueirão de Santo Antônio”182. Posteriormente, em todas as petições, requerendo terras, vai figurar o nome Quixeramobim, agora em referência ao rio em cuja margem esquerda também se estabeleceu a fazenda do capitão Antônio Dias Ferreira, depois que ele adquiriu as terras dos primeiros sesmeiros, em 1710.

O evento fundador da cidade, tanto lembrado pela crônica histórica como pela tradição oral, vincula a história de Quixeramobim à vinda desse Português, que além de ter sido o construtor da igreja de Santo Antônio e de ter instituído a devoção ao santo, foi grande colaborador na construção da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Da fazenda, núcleo a partir de onde se formou a povoação de Santo Antônio de Boqueirão, onde se concentrava uma pequena escravaria de origem angola, foi erigida vila de Campo Maior de Quixeramobim, por Lei Imperial, em 1789. Essas nomeações antecederam a atual, Quixeramobim, que passou a figurar a partir da criação da comarca em 1833.

Para além dos vários epítetos aludidos ao município e ao próprio rio, o que interessa destacar é a evolução da forma como o nome vem grafado nos pedidos de concessão de datas e sesmarias e o significado que lhe foi atribuído posteriormente. Consultadas dez petições do princípio do século XVIII, fica patente a dificuldade do agente escrivão com a língua indígena, chegando a registrá-lo como Quecharemobim, Quixaremuby, Quixaremoby, Quixeremobaj, Quixarê Muby, Quexaremobim, Quixare mimbi hj, Quiminbubuj, Quixarenhobim, Quixerenhobim e Quixere mobim. O artifício de atribuir ao gentio a designação do acidente geográfico, talvez se deva mais a uma tentativa de escusa dos equívocos cometidos na escrita de termos indígenas do que de busca da origem da palavra. A displicência dos escrivães, que assinam os pedidos endereçados ao capitão-mor da Capitania, tanto é mais notória na dificuldade em manter a mesma escrita quando a palavra se repete ao longo do mesmo documento. Por exemplo, em 1706, José do Vale e outros requerem umas terras nas margens do rio Quecharemobim. Mais adiante nesta petição, fazendo menção ao mesmo rio, o escrivão passou a grafar o termo como Quixaremuby. Esse mesmo procedimento se repete em quase todas as solicitações de datas e sesmarias.

Decerto, daí vêm as imprecisões do significado do topônimo cuja origem é seguramente indígena, conquanto não se possa afirmar em qual língua monta sua raiz. Sobre o assunto alguns estudiosos se debruçaram, porém, pouca concordância estabeleceram a respeito da procedência linguística da palavra. Teodoro Sampaio (1992), estudioso do tupi discorda, contundentemente, de Carlos Frederico Felipe Von Martius, botânico bávaro que esteve no Brasil no princípio do século XIX, ao atribuir a origem do nome, à língua tupi. Afirma o tupinólogo baiano que “Quixoxó não é tupi como não o são Quixará, Quixadá e Quixeramobim e outros do interior do Ceará, onde outrora dominaram povos de raça diferente dos Tupis183 (sic).

Conforme P. Nogueira (1887), P. Theberge ao conhecer o termo já bastante corrompido em 1704, atribuiu a denominação aos Índios quixará. Quixará, ainda consoante P. Nogueira era “uma tribo tapuia (…) que habitava o interior da Capitania, especialmente a barra do rio Sitiá”184. Ora, o rio Sitiá é, assim como rio Quixeramobim, afluente do Banabuiú, e banha o município de Quixadá, distando daquele apenas 20 km. Essa proximidade pode indicar que os grupos tapuias, conhecidos como canindé, genipapo, quixará e outros185, habitavam e se movimentavam nas terras das margens dos cursos d´água, pertencentes ao vasto território de Quixeramobim, do qual Quixadá fazia parte.

Então, não seria absurda a tese de que a origem do nome Quixeramobim não é tupi e por exclusão seria tapuia. Conforme a historiografia cearense, no Ceará os Índios estavam divididos em três grupos: os tupi, os tapuia e os cariri. Tapuia era uma denominação genérica para os grupos indígenas, falantes do nhengaíba ou língua travada, que não pertenciam aos grupos tupi, falantes do nhengatum ou língua boa. Já os cariri falavam uma língua cuja denominação era também cariri 186 . A existência de uma língua tapuia é tão incerta quando a de um etnônimo especificamente atribuído a um grupo indígena, dai a dificuldade em precisar a procedência dos termos indígenas. Contudo, a tese de Marum Simão (1996) de que alguns topônimos de origem tapuia adquiriram designações tupi, não deve ser desprezada, pois segundo ele:

‘Com a presença do “colonizador” os tupis (sic) do litoral foram sendo empurrados para o interior e/ou aprisionados pelo elemento invasor. Uma vez em poder do colonizador, o Índio tupi era utilizado como guia, quando em marcha do “homem branco” para os diversos pontos distantes da praia. Em sua penetração para o sertão quer como expulso, quer como guia do “civilizado” estes Índios tupis (sic) iam dando nomes aos acidentes geográficos com topônimos de sua língua. Assim o idioma tupi, sendo a língua boa, denominada também, no sul, guarani, facilmente predominou nos sertões, contrapondo-se à língua travada dos tapuias, ocasionando, em consequência, a “substituição de nomes primitivos por vocábulos tupis”187. (Grifos do autor).’

Nesse sentido, duas explicações são possíveis para o termo Quixeramobim. Uma de tradição tupi cuja escrita é Qui, Xere, Amôbinhe e significado qui oh, xere outro , amôbinhee tempo , isto é, oh! Meus outros tempos 188 . Atribui-se essa explicação a Carlos Frederico Felipe Von Martius, referido a pouco e a ela recorreu o autor de Iracema, José de Alencar, decerto, para traduzir o sentimento de saudade do colonizador Martin Soares Moreno pela índia Iracema. A outra explicação, de tradição não-tupi, é a de T. Pompeu Sobrinho. Para o antropólogo “o vocábulo era Kieramobim. Kierá é corruptela de Quirá ou Kirá ( pássaro ) + obim ( verde )”, significando pássaro verde 189 .

Levantar esses nomes e seus significados dão apenas uma idéia de quão longeva é a história de Quixeramobim, terras habitadas por Índios que pouco importam os etnônimos, pois essa é uma página da história que se recria e se reescreve, constantemente no Ceará. O que se sabe é que os Índios, os Negros estavam presentes no povoamento de Quixeramobim e que em alguns momentos decidiram selar seus destinos, estabelecendo vínculos matrimoniais. A relação entre Negros e Índios por certo se estenderam a outros eventos, pois são eles que ainda recuperam atualmente a memória da escravidão e das festas do Rosário, celebradas e organizadas pela irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

Notes
180.

A palavra aparece grafada dessas duas formas. Os autores não se detiveram em procurar o significado e a origem dessa palavra, certamente porque ela deixou de figurar na documentação, tendo sido substituída por Quixeramobim quando havia referência ao rio. Silveira Bueno (2008) atribui à palavra ybu o significado de o olho d’água. In Vocabulário tupi- guarani português, São Paulo, Vidalivros, 2008, p. 78.

181.

Em 1702 foram requeridas quatro posses de terras no riacho Ybu. Para localizar o riacho os peticionários se reportam à serra, a que o gentio chama de Quixeremoby. O gentio é o nativo indígena.

182.

M. Simão, Quixeramobim, recompondo a história, Fortaleza, 1996, p. 22.

183.

T. Sampaio, Da evolução histórica do vocabulário geographico do Brasil, in R.I. C, Fortaleza, 1902, p. 219

184.

Ibid.

185.

Conforme M. Simão, “as tribos canindé e quixará pertenciam à nação tapuia dos tararius embora alguns autores, afirmem que fossem tupi”. In, Quixeramobim, recompondo a história, Fortaleza, 1996, p. 30.

186.

M. Simão, Quixeramobim, recompondo a história, Fortaleza, 1996, p. 22.

187.

Ibid, p. 23.

188.

P. Nogueira, Vocabulário Indígena em uso na província do Ceará, in: R.I.C, Fortaleza, v. 1, ano 1887, p. 385.

189.

T. Pompeu Sobrinho, Etymologia de algumas palavras indígenas, in R. I. C, Fortaleza, v. 33, ano 1919, p. 225.