9.5 Os Rituais Funerários

Assim como a festa, a morte se constituía também em preocupação dos associados e sobre ela os compromissos dedicam pelo menos três artigos a definir como se procederá na situação em que um membro seu vier a falecer. A associação se encarregava de mandar dizer quatro missas para a alma dos irmãos vivos e mortos em quatro momentos: no dia da purificação, no dia de Nossa Senhora do Rosário, no dia da anunciação e no primeiro domingo de outubro. Esses sufrágios deveriam ser celebrados na capela do Rosário e por um sacerdote determinado pelo tesoureiro. Todos estavam obrigados a assistirem solenemente ao ato com a cruz dourada409, distintivo da irmandade.
Uma das preocupações da irmandade era com o “bem morrer” dos seus membros. Por isso, mesmo estando o irmão em débito com as anuidades, se fosse provado que se tratava de falência econômica, o enterramento em esquife, o acompanhamento da irmandade e os dobres de sino estavam garantidos. A pompa fúnebre para João José Reis era comparada às festas do padroeiro, posto que “fazia parte da tradição cerimonial da confraria, formando, ao lado das festas de santo, importante fonte de prestígio. Todas as irmandades se comprometiam a acompanhar solenemente os membros à sepultura e, em muitos casos, também os seus parentes410”.
Por ocasião da aprovação do compromisso 1854, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Quixeramobim ainda não possuía esquife, mas garantiu providências nesse sentido, adquirindo-o logo no ano seguinte. Além de servir aos propósitos caritativos da irmandade ao garantir enterramento e direito ao esquife aos confrades, era do seu aluguel para enterramento de pessoas não pertencentes que tiravam algumas receitas. Encontram-se descrições de receitas provenientes justamente do aluguel do esquife e do acompanhamento da irmandade ao sepultamento de escravos e de outros fiéis. Somente duas explicações são possíveis para esse fato: no caso de ser membro, talvez porque não tivesse cumprido com as obrigações financeiras da instituição ou então não pertencia à irmandade, daí a cobrança para o funeral.
Provavelmente as sepulturas da capela do Rosário também fossem utilizadas para enterrar escravos não pertencentes à confraria. Isso pelo menos é o que deixa a entender os registros de óbito a seguir.

Aos nove de novembro de 1803 faleceo da vida presente João preto Angola, escravo da fazenda Muriões de cincoenta annos e pouco mais ou menos de maligna, casado com Maria preta Angola, forra, sem sacramentos por morrer na dita fazenda, e nem chamarem. Foi sepultado na igreja do Rosário desta Villa.

O registro não faz referência nem a sua ligação com a confraria e nem mesmo como e onde foi sepultado. Consultando outros registros, verifiquei que o hábito branco era bastante comum nos enterramentos dos escravos e o lugar destinado a eles era das “grades abaixo” como confirma a regra instituída no compromisso de 1854, a qual garantia “A qualquer irmão que fallecer irá a irmandade acompanhar seu corpo e se lhe dará seupultura grátis de grades abaixo, e o sacristão lhe dará gratuitamente seis dobre de sino, e se lhe mandará celebrar quatro missas por sua alma, com a esmola de seiscentos e quarenta reis”411.

Notes
409.

A cruz dourada era o distintivo da irmandade previsto no compromisso de 1854. A partir de 1896 no compromisso ela aparece como prateada. Considerando que a irmandade fazia despesa com o douramento da sua cruz, tratava-se na verdade de uma insígnia dourada e não prateada.

410.

J. J. Reis, op. cit., 2009, p. 144.

411.

Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Quixeramobim. Lei nº 678 de 16 de outubro de 1854, In: Leis Provinciais do Ceará 1835-1861,Fortaleza, Biblioteca Pública Menezes Pimentel, Microfilme.