12.3 Devoção e família

Tratar da devoção de Nossa Senhora do Rosário é levar ao conhecimento que as famílias negras – Matias, Barroso, - sempre estiveram a sua frente e que a importância que lograram em Quixeramobim se deve em grande parte a isso.

‘A responsabilidade da festa era dos Matias, dos Barrosos, que era uma família, tudo é neguinho, você vê a Vitória como é, tudo é pobre, né? Mas os Barrosos, a família do finado Julião, é uma família de muito importância, desde eles. Eu não conheci, o finado Julião mesmo eu não conheci, que é marido de minha tia548, eu não conheci ele não. Mas eles era um povo importante, ainda hoje tem importância. Foi o único nome de pobre que ficou aqui nessa cidade foi a deles, a rua chamada Julião Barroso549. ’

Embora não fazendo alusão à confraria negra, que ainda estava conduzindo e organizando as sociabilidades negras, o sentimento de todos pertencerem a uma só família é constantemente exaltado nas entrevistas. Reidy afirma que, “ao criar formas de organização e recreação para si, os africanos teriam usado novos modelos para reforçar velhas relações”550. O que poderia se concluir é que o mesmo ocorria em relação à organização da festa de seus padroeiros, ou seja, insistiam em reforçar relações que talvez um dia seus antepassados tivessem falado ou experimentado. O propósito aqui é falar menos de continuidades e mais de alternativas inscritas em tradições que são constantemente reelaboradas e porque não dizer, reinventadas, porventura venha a se considerar essa associação família e devoção como rememoração de uma África longínqua, ainda inspirando algumas sociabilidades.
Para Bastide (1971) as confrarias negras, em especial as do Rosário e as de São Benedito, faziam parte de uma ampla política da igreja católica em incorporar os africanos e seus descendentes. Essa política longe estava de propor a formação de uma comunidade de católicos indistinta, pelo contrário, insistia sobretudo na distinção dos Negros em relação à comunidade de Brancos que se organizavam em outras confrarias. As confrarias teriam sido então um instrumento de assimilação e era no seu interior que se processava o sincretismo religioso551. Esse sincretismo se realizava tanto mais no caráter familiar que essas associações traziam, pois “suas religiões quaisquer que fossem, estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica (…), a estruturas aldeãs e comunitárias552.

Notes
548.

Aqui é uma referência a segunda esposa de Julião Barrozo de Oliveira.

549.

José Borges do Nascimento (Dedim), Quixeramobim, 2007.

550.

Reydy apud M. de Melo Souza, Reis Negros no Brasil Escravocrata, Belo Horizonte, UFMG, 2002.

551.

R. Bastide, As religiões africanas no Brasil , São Paulo, Pioneira, 1971, p. 78.

552.

Ibid, p.78-79.